Monday, February 05, 2018

It`s an outlier!

Receber um convite: Da influência como poder amável, numa empresa. 



Importa "ganhar mundo", "sair da zona de conforto", ouve-se hoje, dentro e fora dos locais de trabalho, de lazer, de educação e formação. 

Novos interesses de mobilidade associam-se à norma do achievement, da optimização permanente do desempenho, do rendimento, da necessidade de auto-realização. Nas empresas, um discurso amável apresenta uma condição de mobilidade (interna, funcional, internacional) como lugar de estímulo e de diferenciação.

Um poder amável estimula, seduz, não classifica, ameaça ou prescreve. Nas empresas, uma nova condição de mobilidade é apresentada como condição de prosperidade, uma oportunidade e uma escolha desejável, um estatuto de maioridade tendente à optimização dos recursos detidos. O acesso a esta condição é constrito, objecto de selecção aparente. Não se trata de uma condição que se encontra igualmente disponível para todos. Existem convites. 

Um convite incita a auto-exploração, a procura de optimização permanente protagonizada por cada indivíduo. A dúvida, o potencial de conflito rangente, de descontinuidade decorrente da existência de um convite é dirigido pelo indivíduo para si mesmo.

As necessidades da empresa, de um projecto ou da organização são apropriadas, neste contexto, como necessidades próprias, do próprio indivíduo. Deste modo, um convite é tipicamente figurado e representado como uma oferta. Uma oportunidade de optimização e de rendimento. Um convite não confronta, por via de regra, um indivíduo. Concede-lhe condições, facilidades. Na resposta a um convite, o enquadramento da escolha, do sentido de adequação da escolha opera não por coacção ou por exclusão, mas sim pelo forjar de um sentido de dependência, de cumplicidade íntima, ontológica. Quando um convite é apresentado, engendra-se naquele que o recebe, como subtexto, um sentido de dívida, que constitui, em si mesmo, um modo de condicionamento e de orientação da escolha.

A coerção não é externa, é própria, a adesão não decorre da inibição, é subjectiva. São os próprios processos psicológicos que são mobilizados, sem resistência aparente, como força e recurso de produção pelo discurso organizacional. Variáveis de enquadramento situacional são objecto de subjectivação: o fantasma da exclusão, do desemprego, de "ser encostado" ou esquecido, por exemplo.

Motivos psicológicos fundamentais são mobilizados, em termos discursivos: um sentido de autonomia, uma possibilidade de controlo, de auto-realização. A possibilidade de controlo de uma situação. De uma situação pessoal. O sentido e a economia das relações de poder e de controlo (da dúvida, da culpa) são aparentemente deslocados para o indivíduo. O indivíduo é incitado a relacionar-se, a concorrer consigo próprio na remissão da culpa, da regulação dos efeitos de uma tomada de decisão (aceitar, rejeitar um convite, uma oportunidade, uma "missão").

Importa "ganhar mundo", "sair da zona de conforto": o apelo que é assim concretizado não assume uma feição disciplinar, operando ao invés num plano subjectivo, assente numa permissividade amável, não na censura, na inibição, na proibição.

Aceitar um convite ou não: o lugar da luta, do confronto, da regulação da dúvida é hoje, numa empresa, interno. O expediente de regulação da acção assume uma base individual. O condicionamento social tem lugar, deste modo, em lugares sem controlo aparente, onde a moderação, os operadores de moderação são invisíveis, inaudíveis. O condicionamento, a existência de condicionamento é, desde modo, difícil de objectivar. Auscultar, regular a sindicância dos motivos é difícil. Em sentido próximo, a dúvida é difícil de enunciar, de tornar visível. 

Neste contexto, há quem sugira que os indivíduos devem ser protegidos daquilo que pretendem (protect me from what I want), porquanto são remotas as condições que influenciam as suas escolhas. 

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